Primeira formação da banda Legião Urbana.
Da esq para
a direita: Renato Russo, Renato Rocha, Dado Villalobos e Marcelo Bonfá
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Na década de 1980 aconteceram os últimos festivais da canção, transmitidos pela Rede Globo. Ao contrário dos festivais anteriores, que apresentavam artistas consagrados, os dessa década abriram espaço para novos estilos musicais. O rock, que passou a conquistar cada vez mais espaço durante a década de 1970, já contava com alguns adeptos e teve representantes durante esses festivais, como o de 1981, com as bandas Gang 90 e As Absurletas. Essas apresentações mostraram o avanço do rock no espaço midiático brasileiro.
O rock brasileiro acabou batizado de Brock pelo jornalista Arthur Dapieve, ao designar o que ele considerou a fase mais madura do rock nacional, quando o rock se consolida e adquire visibilidade. Assim, ao conquistar espaço na indústria fonográfica e na mídia, uma parcela da juventude urbana do país passou a projetar em sua produção musical a lógica social e o tempo histórico em que estava inserida.
Como vimos na última aula, o processo de abertura do regime militar e a transição democrática iniciaram-se em meados da década de 1970, e, conforme o desejo dos militares, foi um processo lento, gradual e seguro, sendo finalizado só em 1988, com a promulgação da Constituição Federal. Assim, podemos perceber reflexos desse processo de transição política também no rock, um som realizado e consumido por jovens. Os músicos e compositores de Brock tinham em sua maioria entre 18 e 24 anos de idade e, embora não tivessem enfrentado diretamente o regime militar, haviam sido criados e educados nesse período repressor ditatorial, tendo sofrido seus impactos, portanto.
Muito do conteúdo transgressor encontrado no Brock deve-se aos temas polêmicos para a época, tais como o sexo, as drogas e a violência. O uso desses temas está ligado a uma preocupação com a liberdade de expressão e com o estilo de vida. Brasília foi uma das principais cidades desse movimento, e muitas das bandas que lá surgiram foram precursoras em abordar temas relacionados à questão sociopolítica, influenciando bandas de São Paulo e Rio de Janeiro, que também adotaram o uso desses temas.
Ora, o cenário era de inquietação, havia um grande descrédito em relação à política, era um momento de transição de um regime autoritário, em que não havia certezas sobre o futuro político do Brasil. Além disso, a economia nacional também passava por um momento difícil, uma crise que já se arrastava desde o fim da década de 1970.
Juntamente com Brasília, outra cidade teve grande importância por abrigar o maior número de gravadoras e também as mais relevantes: o Rio de Janeiro. Além de favorecer a criação e a divulgação das bandas de Brock, a cidade abrigava o Circo Voador, onde essas bandas se apresentavam. Grandes nomes surgiram nesse período, como Titãs, RPM, Ira!, Blitz, Barão Vermelho, Os Paralamas do Sucesso, entre outros.
Circo Voador |
Legião Urbana ao vivo no Circo Voador, no programa 'Perdidos na Noite', em 1986 (Infelizmente as gravações da icônica apresentação da banda no Circo Voador em 1984 estão muito ruins): https://www.youtube.com/watch?v=Edko3ycx8JY
Em meados da década de 1980, com a morte de Tancredo Neves, José Sarney assume a presidência. A fim de controlar a inflação, Sarney lançou o Plano Cruzado em 1986, aumentando o poder de consumo. Houve assim um aumento da vendagem de discos de rock nacional, justificando o investimento de grandes gravadoras nesse gênero, que assim ganhou destaque na mídia e na indústria fonográfica, também em crescimento. Porém, o Plano Cruzado de Sarney fracassou.
Com o fracasso desse plano, muitos jovens foram tomados pelo desencantamento, uma vez que a crise econômica assolava o país, a inflação crescia de maneira galopante e faltava um personagem político de oposição ao sistema repressor. Esses e outros fatores levaram ao aumento do pessimismo entre os jovens desse período, um pessimismo que era encarado como realismo e se refletia também nas músicas e no meio artístico.
Diferentemente das canções de protesto da década de 1960, com letras que visavam motivar o povo a se posicionar contra o regime militar, na década de 1980 as letras do Brock eram bastante complexas, muitas vezes consideradas difíceis de interpretar por grande parte da população. Essas letras retratavam de forma subjetiva o desencantamento desses jovens com a situação do país e demonstravam poucas perspectivas em relação ao futuro do país, sem ter uma pretensão de atuação política. Não podemos afirmar, porém, que essas músicas traziam temas supérfluos, como os abordados pela Jovem Guarda.
Geração Coca-Cola – Legião Urbana:
Ora, essa juventude fazia o uso do rock como um grito de rebeldia, fazendo um diagnóstico subjetivo dos problemas decorrentes da condição política em que se encontrava o país durante o processo de transição democrática, além de questionar seu espaço na esfera civil. Suas letras não pretendiam “fazer” a revolução, mas queriam mostrar como era a juventude que cresceu nos “anos de chumbo”, como ela se comportava diante da esfera pública. Como cantou Renato Russo, esses “filhos da revolução” eram transgressores dos valores estabelecidos por uma sociedade autoritária e encontraram no rock um modo de expor sua visão de mundo.
O rock nacional foi construído durante a década de 1980, seguindo a linha de diversos movimentos, como o Tropicalismo, o rock norte-americano e inglês e o movimento punk, e influenciou todo o gênero nas décadas seguintes. Ao longo das décadas de 1990 e 2000, até os dias atuais, a temática política passou por transformações e tem ocupado um espaço cada vez menor na música, devido à consolidação da democracia nacional e às melhoras econômicas, mas novas bandas, principalmente as inspiradas no movimento punk, continuam a apresentar aspectos sociopolíticos em suas letras.
Sarcófago, um entre os vários nomes
clássicos do metal brasileiro
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
Enciclopédia da música brasileira: popular, erudita e folclórica. Reimpressão da 2a. ed. SãoPaulo: Publifolha, s.d. (Disponível em: https://play.google.com/store/books/details/Andr%C3%A9_Diniz_Almanaque_do_choro?id=1GcE9Cz9QC4C)
TINHORÃO, J. R. História Social da Música Popular Brasileira. São Paulo: Ed. 34, 1998.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR:
ANDRADE, M. Ensaio sobre a música brasileira. São Paulo, Martins, 1965.
MARIZ, V. História da Música no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.
NEVES, José Maria. Música contemporânea brasileira. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2008.
SEVERIANO, J. Uma história da música popular brasileira: das origens à modernidade. Editora 34, 2006
WISNIK, J. M. O Coro dos Contrários. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1983.
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