Bloco Carnavalesco Embaixadores da India,
Carnaval de 1952 - Arquivo Público
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A sociedade brasileira passou por diversas transformações no final século XIX, período repleto de conflitos e tensões. O impacto da abolição da escravidão em 13 de maio de 1888 alterou profundamente as relações sociais, políticas e jurídicas no país. Achegada de imigrantes europeus e o início da industrialização alteraram o perfil das cidades.
Desde os tempos coloniais, uma vez por ano, nas ruas estreitas do centro da cidade carioca, realizava-se uma festa popular: o carnaval.
Fundada e batizada no bairro do Estácio
pelo imenso Ismael Silva,
junto de outros grandes sambistas como Bidê e Marçal, o sucesso da Deixa Falar
– que viria a se tornar a Estácio de Sá.
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O samba nasceu na Bahia, mas logo foi para o Rio, e se desenvolveu. O primeiro “Rancho carnavalesco” – que daria origem, anos depois, aos blocos e às escolas de samba – foi o Reis de Ouro, fundado em 1893 no Rio de Janeiro pelo pernambucano Hilário Jovino Ferreira como uma derivação da festa da Folia de Reis.
O Reis de Ouro apresentou novidades que até hoje permanecem, como a ideia de enredo, o uso de instrumentos de corda e de instrumentos africanos, como pandeiros, tantãs e ganzás, e o casal de mestre-sala e porta-bandeira. Por mais que o samba e as festas de rua fossem criminalizados, as autoridades gostaram do Reis de Ouro, e no ano seguinte à sua fundação o rancho chegou a desfilar diante do presidente Deodoro da Fonseca.
O carnaval empolgava e coloria as ruas da cidade. A participação da população negra e mestiça era intensa, mesmo nos tempos da escravidão. E aumentou após a abolição, quando muitos negros libertos e sem trabalho nos campos, migraram para a cidade.
O papel dos negros no carnaval e sua influência na história da música brasileira foram fundamentais. E para os negros o carnaval tornou-se um espaço em que podiam manifestar seus ideais de vida e de liberdade.
Uma das brincadeiras carnavalescas da época era o “Zé Pereira”: grupos de foliões que se reuniam e desfilavam pela cidade tocando bumbos, zabumbas e tambores. Em torno do Zé Pereira reuniam-se grupos de mascarados, capoeiras –muitos deles eram negros libertos – como o “Corações de Ouro” ou o Grupo Carnavalesco de São Cristóvão.
Alguns desses grupos eram chamados “ranchos”,que possuíam elementos mais teatrais e utilizavam instrumentos de sopro e cantos: outros grupos eram chamados “cordões” que empregavam, sobretudo instrumentos de percussão.
Em 1899, estrearam as chamadas marchinhas, das quais a mais conhecida, até hoje, é “Ó Abre Alas!” de Chiquinha Gonzaga,tornando-se mais populares ao longo das primeiras décadas do século XX. Antes das marchinhas, o carnaval era animado por músicas folclóricas, óperas e marchas fúnebres.
Nesse período, o carnaval também passou por um processo de politização.Foliões embriagados, cantavam, dançavam e expressavam suas críticas sociais de maneira anárquica, assustando as elites, os jornalistas e, até mesmo, as autoridades policiais.
Em 1889, acontecem os primeiros registros
de blocos autorizados pela polícia – entre eles, o Grupo Carnavalesco São
Cristóvão, Bumba meu Boi, Estrela da Mocidade, Corações de Ouro, Recreio dos
Inocentes, Um Grupo de Máscaras, Novo Clube Terpsícoro, Guarani, Piratas do Amor, Bondengó, Zé
Pereira, Lanceiros, Guaranis da Cidade Nova, Prazer da Providência, Teimosos do
Catete,Prazer do Livramento, Filhos de Satã e Crianças de Família. Em 1918, o
mais antigo bloco ainda em atividade do Rio de Janeiro é fundado: o Cordão
do Bola Preta,
até hoje um dos maiores e mais populares da cidade e do mundo.
Diversos momentos do Cordão do Bola Preta
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No final do século XIX, devido à grande presença de negros, mestiços e pobres, muitos jornalistas chegaram a anunciar a morte do carnaval carioca. Eles contrapunham as festas de rua aos desfiles e bailes das Grandes Sociedades Carnavalescas, que faziam jus a uma cidade que pretendia ser civilizada, moderna, ou seja, mais “europeia”. Muitos afirmavam, ainda, que o “verdadeiro” e “civilizado” carnaval das Grandes Sociedades poderia sucumbir perante o carnaval popular dos blocos de negros e mestiços. Outros defendiam também a limitação das brincadeiras, danças e desfiles de rua, desqualificando qualquer prática que fugisse do “civilizado”.
Rancho Carnavalesco Caprichosos da
Estampa, em foto publicada na revista Careta no ano de 1929.
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Os setores elitistas irritavam-se e reclamavam das multidões que impediam a locomoção pelas ruas, provocavam pessoas, faziam uso de bisnagas de água,entre outras brincadeiras e preconizavam a necessidade de repressão policial. A festa popular era associada à bagunça e à desordem, creditando, portanto, ao Estado, o papel de intervir por meio da força policial a fim de controlar as práticas das multidões e assegurar a tranquilidade para que as famílias “civilizadas”pudessem fazer o seu carnaval também “civilizado”.
Na verdade, o discurso contra as classes mais pobres e baixas não se aplicava apenas ao carnaval, uma vez que o objetivo das camadas mais altas da sociedade carioca era não apenas controlar a festa, mas sim controlar e moldar o povo brasileiro.
Porém, ao mesmo tempo em que havia esse desejo de “civilizar” o carnaval, os jornais veiculavam notícias sobre as “multidões” de foliões, além de anúncios de fantasias, máscaras, bisnagas e instrumentos para o carnaval de rua carioca. Ou seja, os jornais retratavam a contradição existente na sociedade.
Para os negros e mestiços a situação era mais complicada, pois eram constantemente acusados como responsáveis pelos distúrbios, sendo perseguidos e presos. Assim, para esconder a cor da pele passaram a utilizar a máscara.
Por outro lado, a influência negra na música tornou-se cada vez maior, aumentando ao longo da História. Porém, esse processo não foi fácil, pois os conflitos e o preconceito racial permearam a evolução da música no Brasil diante da influência negra.
Neste período que estamos abordando, além das contradições sociais, havia no Brasil vários gêneros, estilos e ritmos musicais que influenciavam uns aos outros. Havia também um grupo, especialmente de intelectuais e jornalistas liberais, que tentava construir um “verdadeiro Brasil”, buscando manifestações artísticas que fossem genuinamente brasileiras.
FREVO E MARACATU
Surgido em Pernambuco no fim do século XIX, o frevo caracteriza-se pelo ritmo extremamente acelerado. Muito executado durante o carnaval, eram comuns conflitos entre blocos de frevo, em que capoeiristas saíam à frente dos seus blocos para intimidar blocos rivais e proteger seu grupo.
O frevo é uma criação de compositores de música ligeira, feita para o carnaval para proporcionar mais animação nos folguedos. Com o decorrer do tempo, o frevo ganhou características próprias.
Passista
no Carnaval do Recife de 1958
FOTO MÁRIO DE CARVALHO/ACERVO
DO MUSEU DA CIDADE DO RECIFE
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Da junção da capoeira com o ritmo do frevo nasceu o passo, a dança do frevo foi utilizada inicialmente como armas de defesa dos passistas que remetem diretamente a luta, resistência e camuflagem, herdada da capoeira e dos capoeiristas, que faziam uso de porretes ou cabos de velhos guarda-chuvas como arma contra grupos rivais. Foi da necessidade de imposição e do nacionalismo exacerbado no período das revoluções Pernambucanas que foi dada a representação da vontade de independência e da luta na dança do frevo.
De instrumental, o gênero ganhou letra no frevo-canção e saiu do âmbito pernambucano para tomar o resto do Brasil. Basta dizer que O teu cabelo não nega, de 1932, considerada a composição que fixou o estilo da marchinha carnavalesca carioca, é uma adaptação do compositor Lamartine Babo do frevo Mulata, dos pernambucanos Irmãos Valença.
O teu cabelo não nega (Lamartine Babo - Irmãos Valença) Versão original Castro Barbosa 1932: https://www.youtube.com/watch?v=dRONtzPSssU
A primeira gravação com o nome do gênero foi o Frevo Pernambucano (Luperce Miranda/Oswaldo Santiago) lançada por Francisco Alves no final de 1930. Um ano depois, Vamo se Acabá, de Nelson Ferreira pela Orquestra Guanabara recebia a classificação de frevo.
O Galo da Madrugada é um bloco carnavalesco que preserva as tradições locais. Eles tocam ritmos pernambucanos e desfilam sem cordões de isolamento. O desfile do galo da madrugada é um dos momentos para se ouvir e se dançar frevo no carnaval.
O frevo elétrico, executado através da guitarra baiana, também ficou conhecido como frevo baiano, e desde os anos 1950 até os anos 1980 foi um dos gêneros musicais protagonistas do carnaval soteropolitano e da música baiana de modo geral, tendo sido bastante executado por músicos e bandas como Caetano Veloso, Moraes Moreira, Armandinho, Pepeu Gomes e Novos Baianos, bem como por blocos de trio como Papa Léguas, Camaleão, Beijo e Cheiro de Amor.
Bloco Galo da Madrugada |
No final dos anos 1980, o frevo elétrico se misturaria ao samba-reggae e outros ritmos afrobaianos, afrobrasileiros e caribenhos, dando origem à axé music.
Chame Gente - Hino do Carnaval da Bahia com participações de Armandinho, Morais Moreira, Gilberto Gil, André Macedo, Caetano, Margareth Menezes, Ricardo Chaves, Durval Lelys, Bel Marques, Ivete, Daniela Mercury, Carlinhos Brown, Luis Caldas e Lazzo: https://www.youtube.com/watch?v=XYV_J9Lktno
Elegibô - Margareth Menezes (Samba-reggae): https://www.youtube.com/watch?v=oTpHQgDoFSs&list=PLZCwFtAL9xmhCLGchX8N5EGopqXLqUG3E
O Frevo foi declarado Patrimônio Imaterial da Humanidade pela UNESCO no ano de 2012, sob a designação "Frevo: Arte do Espetáculo do Carnaval do Recife"
AXÉ MUSIC
O axé, ou axé music, é um gênero musical que surgiu no estado da Bahia na década de 1980 durante as manifestações populares do Carnaval de Salvador, misturando o ijexá, samba-reggae, frevo, reggae, merengue, forró, samba duro, ritmos do candomblé, pop rock, bem como outros ritmos afro-brasileiros e afro-latinos.
Bloco Olodum |
No entanto, o termo "axé" é utilizado erroneamente para designar todos os ritmos de raízes africanas ou o estilo de música de qualquer banda ou artista que provém da Bahia.
Importante salientar que nem toda música baiana é axé, pois lá há o samba-reggae, representado principalmente pelo bloco afro Olodum, o samba de roda, o ijexá (tocado com variações diversas por bandas percussivas de blocos afro como Filhos de Ghandi, Cortejo Afro, Ilê Aiyê, e Muzenza, entre outros ), o pagode baiano e até uma variação de frevo, bem como o sertanejo e forró etc.
MARACATU
O maracatu é uma manifestação do folclore brasileiro que envolve dança e música.
Sua origem remonta a época do Brasil Colonial e consiste em uma mistura das culturas africana, portuguesa e indígena.
É portanto uma expressão genuinamente brasileira e foi criada no estado de Pernambuco, sendo presente, sobretudo, nas cidades de Olinda, Recife e Nazaré da Mata.
O maracatu tem origem afro-brasileira e surgiu no estado de Pernambuco no século XVIII. Tem a sua expressão mais antiga datada de 1711.
Suas origens são incertas, mas relacionam-se com o candomblé e com a coroação dos reis do Congo.
O rei do Congo foi uma figura que surgiu para administrar os povos negros trazidos para o Brasil a fim de serem escravizados. Dessa forma, os colonizadores portugueses incentivavam as homenagens prestadas e utilizavam a coroação como técnica de dominação.
Maracatu de Baque Solto Coração Nazareno,
da Associação das Mulheres – Amunam
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Com o seu fim, surge o cortejo, que representa uma corte simbólica e que passa a fazer parte do carnaval de Recife; o mesmo aconteceu com o frevo.
A expressão mais antiga de maracatu é o Maracatu Nação, também chamado de Baque Virado. Ele é feito em cortejo, onde são conduzidas bonecas negras feitas de madeira e ricamente vestidas, as chamadas calungas.
Essas bonecas místicas são carregadas pelas damas do paço e, apesar da sua importância, o rei e a rainha é que são os seus personagens principais da festa. Isso porque a festa está relacionada à coroação dos reis do Congo.
Existe ainda o Maracatu Rural, também conhecido como Baque Solto, esse tipo de maracatu é típico de Nazaré da Mata, município localizado na Zona da Mata de Pernambuco.
Sua origem apareceu posteriormente ao Maracatu Nação, despontando por volta do século XIX e seus participantes são basicamente trabalhadores rurais. Há uma figura bastante importante nesse tipo de vertente, que é o caboclo de lança, sendo o personagem de destaque.
O maracatu nação é típico da zona metropolitana de Recife e é o ritmo afro-brasileiro que existe há mais anos. O batuqueiro e os instrumentos usados por ele são muito importantes nesse tipo de maracatu.
Enquanto isso, o caboclo de lança é a figura mais importante do maracatu rural.
Caboblo de lança - Maracatu Rural |
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
- Enciclopédia da música brasileira: popular, erudita e folclórica. Reimpressão da 2a. ed. SãoPaulo: Publifolha, s.d. (Disponível em: https://play.google.com/store/books/details/Andr%C3%A9_Diniz_Almanaque_do_choro?id=1GcE9Cz9QC4C)
- TINHORÃO, J. R. História Social da Música Popular Brasileira. São Paulo: Ed. 34, 1998.
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