terça-feira, 30 de junho de 2020

20. Tropicalismo

Reunião tropicalista. No alto, Caetano, Torquato Neto e Rita Lee; no meio, Tom Zé, Glauber Rocha, Rogério Duprat e Gil Foto: Arte de André Melo
O Movimento Tropicalista, Tropicalismo, ou Tropicália,iniciou-se em 1967, e foi de fundamental importância para diversas áreas dessa produção, como as artes plásticas, o cinema, o teatro e a música. A conjuntura política dessa década foi bastante conturbada, com os setores mais progressistas da sociedade animados diante da ideia de uma Revolução Brasileira, que, mesmo depois do Golpe Militar de 1964 e o endurecimento desse regime em 1968 (com o AI-5), não foi abandonada, mas sofreu abalos.
Gilberto Gil - "Domingo No Parque" (Álbum Gilberto Gil 1968, tido como um dos álbuns fundamentais do movimento Tropicália)
Capa do disco Gilberto Gil - Maio de 1968
 

Essa crença em uma Revolução trouxe um intenso processo de politização da produção artística, vista como um elemento fundamental para a estratégia revolucionária. Baseando-se nessa estratégia,houve uma normatização quanto à arte, processo em que estabeleceram critérios definidores do objeto da produção artística e de sua finalidade. O critério básico da visão da esquerda em relação à arte era o engajamento, ou seja, a obra deveria ser referente à “realidade brasileira”, um reflexo da situação em que se encontrava o povo brasileiro. Caso não o fosse, seria considerada uma obra alienada, que dificultaria a tomada de consciência por parte do povo quanto a seus interesses, bem como sua participação na eminente Revolução.
Alegria,alegria– Caetano Veloso – 1967. Festival da TV Record.
Capa do Disco Caetano Veloso de 1967-1968
Ora, durante essa década, a relação entre a política e a cultura foi vista pela esquerda brasileira através da instrumentalização política da produção de cultura. Podemos citar como exemplo a influência do Centro Popular de Cultura da UNE na produção cultural do país nesse período, que claramente buscava essa politização. Na música, tal politização se deu com a MPB e seu nacionalismo revolucionário. E é diante desse contexto que surge o Tropicalismo em 1967.
O Tropicalismo era um movimento que combinava manifestações tradicionais da cultura brasileira com cultura pop, tanto nacional, quanto estrangeira. Seus principais representantes na área musical foram Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato Neto, Os Mutantes e Tom Zé. Foi um movimento de ruptura diante das tendências da música popular no país que buscou universalizar a linguagem da MPB, incorporando para isso elementos internacionais, como o rock, a psicodelia e a guitarra elétrica. Além disso,apropriaram-se de elementos da vanguarda erudita, com arranjos de maestros como Rogério Duprat, Júlio Medaglia e Damiano Cozzela. Assim, buscavam unir o popular brasileiro, o pop internacional, o experimentalismo estético e amodernização da cultural nacional.
Os Mutantes é uma banda brasileira de rock psicodélico formada durante o Movimento Tropicalista no ano de 1966, em São Paulo, por Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias. Também participaram do grupo Liminha e Dinho Leme.
O Tropicalismo misturava musicalmente rock, bossa nova, samba, rumba, bolero, baião, entre outros gêneros nacionais e estrangeiros. E as letras de suas músicas apresentavam complexidade e qualidade marcantes, com diálogos com obras literárias como as de Oswald de Andrade e de poetas concretistas. Além disso, apresentavam um quadro crítico e complexo da realidade do Brasil, com a conjunção do arcaico e suas tradições, com a modernidade e a cultura de massa. Suas influências não se limitaram aos campos artísticos e políticos, mas também alcançaram questões morais e de comportamento,como a sexualidade, o corpo e as roupas, assimilando o movimento de contracultura norte-americano, com cabelos compridos e roupas coloridas. Mesmo com a pequena duração do movimento, que findou com o AI-5 e a prisão de Gilberto Gil e Caetano Veloso, depois exilados no Reino Unido, foi um movimento bastante influente na cultura do país, um movimento modernizador da cultura brasileira.
Tropicália – Caetano Veloso – 1968.
Mesmo com a curtíssima duração do movimento, o Tropicalismo representou uma alternativa às relações entre cultura e política propostas pela esquerda mais tradicional do país e disputou terreno com esta, que musicalmente se expressava através da MPB. Essa disputa gerou conflitos,expostos especialmente nos festivais da canção, sendo o mais famoso deles nas eliminatórias do Festival Internacional da Canção em São Paulo em 1968,promovido pela TV Globo. Durante esse episódio, Caetano Veloso encontrou dificuldades para cantar É proibido proibir”, devido às vaias e gritos por parte da plateia, e respondeu com um discurso em que comparou os militantes que o vaiavam com fascistas, afirmou que estavam ultrapassados, e que suas concepções artísticas prenunciavam posições políticas perigosas. Ora, muitos desses militantes viam os tropicalistas como uma espécie de infiltrados, que buscavam destruir por dentro o movimento revolucionário. Porém, nem todos os que compartilhavam dos ideais políticos de esquerda trataram os tropicalistas como “traidores” ou “infiltrados”. Até mesmo alguns militantes que participavam da guerrilha armada consideravam o tropicalismo como uma expressão cultural para o movimento político pelo qual passava o país.

Caetano Veloso - É proibido proibir

Caetano Veloso em 1979, durante ensaio na casa da fotógrafa Thereza Eugênia: expressão de uma era
A visão tropicalista da realidade brasileira era de uma sociedade muito mais complexa do que a da esquerda tradicional. Em suas canções, a sociedade aparece marcada pela combinação entre o arcaico e o moderno, e também entre o nacional e o internacional. Assim, para esses artistas, a produção cultural que tem como pretensão representar a sociedade brasileira precisa incorporar elementos arcaicos e modernos,nacionais e internacionais, uma vez que esses elementos já foram incorporados pela sociedade. Sobre isso, Caetano Veloso afirma em A arte de Caetano Veloso, de 1977, que “algumas pessoas ficaram histéricas quando ouviram Alegria,alegria com arranjo de guitarras elétricas. A estes, tenho a declarar que adoro guitarras elétricas. Outros insistem em devermos nos folclorizar. (…)Nego-me a folclorizar meu subdesenvolvimento para compensar as dificuldades técnicas. Ora, sou baiano, mas a Bahia não é só folclore. E Salvador é uma cidade grande. Lá não tem apenas acarajé, mas também lanchonetes e hot dogs,como em todas as cidades grandes”.
Só podemos compreender o tropicalismo quando o situamos em seu período histórico, uma vez que nele estava profundamente enraizado. O tropicalismo trouxe uma dimensão fundamental da sociedade brasileira, a da combinação entre o arcaico e o moderno, tal como havia sido proposta pelos modernistas na década de 1920, em especial Mário de Andrade e Oswald de Andrade, porém de maneira diferente, uma vez que o arcaico e o moderno não se combinaram do mesmo modo durante a década de 1960. Ao manifestar essa dualidade entre o arcaico e o moderno, um traço recorrente de nossos processos históricos, o tropicalismo possibilitou uma maior compreensão da própria sociedade brasileira.
Tropicália: ou Panis et Circensis –Álbum-manifesto do movimento tropicalista, em que colaboraram Caetano Veloso,Gilberto Gil, Tom Zé, Os Mutantes, e Gal Costa. Foi lançado em 1968.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
Enciclopédia da música brasileira: popular, erudita e folclórica. Reimpressão da 2a. ed. SãoPaulo: Publifolha, s.d. (Disponível em: https://play.google.com/store/books/details/Andr%C3%A9_Diniz_Almanaque_do_choro?id=1GcE9Cz9QC4C)
TINHORÃO, J. R. História Social da Música Popular Brasileira. São Paulo: Ed. 34, 1998.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR:
ANDRADE, M. Ensaio sobre a música brasileira. São Paulo, Martins, 1965.
MARIZ, V. História da Música no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.
NEVES, José Maria. Música contemporânea brasileira. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2008.
SEVERIANO, J. Uma história da música popular brasileira: das origens à modernidade. Editora 34, 2006
WISNIK, J. M. O Coro dos Contrários. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1983.

Nenhum comentário:

Postar um comentário