Raul Seixas – Um dos grandes ícones da
Música Brasileira nos anos 70 e 80
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O ano de 1968 foi marcado por grandes protestos contra a ditadura militar como de artistas de teatro contra a censura, manifestações do movimento estudantil, greves e passeatas por todo o país. Em março, durante uma manifestação estudantil, um estudante morreu atingido por um tiro disparado pela polícia militar e esse fato culminou na passeata dos 100 mil, em junho, no Rio de Janeiro. Diante desse quadro, o regime militar resolveu se fechar ainda mais, e em 13 de dezembro de 1968 foi decretado o Ato Institucional número 5 (AI-5). O AI-5 centralizava no presidente o poder de cassar mandatos, intervir em estados e municípios, suspender direitos políticos, e também proibia atividades e manifestações sobre assuntos políticos, uma infração sujeita a severas penas. A tortura se intensificou bastante após a instauração desse ato.
Lançada em 1970, foi proibida em 1971 e só voltou a ser executada pelas rádios em1978
Foi diante dessa conjuntura política bastante fechada e repressora, no período que ficou conhecido como Anos de Chumbo, que se inaugurou e marcou a década de 1970. Esse é o período mais centralizado e violento de toda a ditadura militar, quando ocorreu a maior perseguição aos que se opunham ao regime, como diversos intelectuais e artistas. Muitos acabaram exilados do país devido à perseguição política que sofreram. Assim, podemos dividir a década de 1970 em duas: até 1975 foi o período mais fechado da ditadura; a partir desse ano e até o final da década teve início o processo de abertura desse regime.
Cálice – Chico Buarque e Milton Nascimento. Composição: Chico Buarque e Gilberto Gil: https://www.youtube.com/watch?v=RzlniinsBeY
Essa canção foi escrita e interpretada por seus compositores em 1973, porém foi proibida por anos, sendo lançada somente em novembro de 1978.
Um aspecto fundamental para entendermos melhor o período, principalmente a primeira metade da década, é a censura. Grande parcela dos artistas brasileiros teve seus trabalhos censurados e muitos foram forçados a alterar as letras de suas canções ou foram impedidos de executar suas obras em público. Muito poucos não foram afetados por ela. Houve, portanto, um fator político limitador sobre as artes. No âmbito musical, muitos compositores conseguiram burlar criativamente as ações da censura, fazendo uso de uma linguagem que ficou conhecida como “linguagem da fresta”.
Do ponto de vista do desenvolvimento midiático no país, devemos voltar nossa atenção para as gravadoras, uma vez que, durante a década de 1970, a produção e o consumo de discos aumentaram bastante, inclusive devido à política de incentivo à produção de bens de consumo articulada pelo regime militar na tentativa de propiciar maior movimentação da economia nacional. Esse crescimento se deu através de lançamentos de artistas populares, como sambistas, cantores sertanejos, e de músicas regionais, além da música inglesa e norte-americana e das trilhas de telenovelas.
Outro aspecto fundamental para a caracterização da década de 1970 é a influência da contracultura e seus reflexos na produção musical. A contracultura caracterizou-se pelas atitudes de jovens que rejeitavam as formas instituídas de organização política e social no Ocidente, ou seja, recusando-se a aceitar organizações que valorizavam a racionalidade e a polaridade ideológica. Seus principais fundamentos eram os valores da paz e do amor, do radicalismo libertário, e de um novo mundo igualitário. No Brasil, o principal movimento de contracultura foi o Tropicalismo, que acabou ainda na década de 1960, mas trouxe o questionamento do debate político da época entre a ditadura e as esquerdas mais tradicionais. Assim, na década de 1970 a influência dos movimentos da contracultura, nacional e internacional, somada à música popular, acabou recaindo sobre boa parte das experimentações musicais dessa época, destacando compositores e grupos como Secos & Molhados, Novos Baianos, e Tom Zé.
O rock americanizado também se inseriu de maneira cada vez maior durante a década de 1970, com nomes marcantes para a música nacional, como Raul Seixas e Rita Lee em sua carreira solo. Esses músicos inspiravam-se no rock da época que tocava nos EUA e na Inglaterra, diferentemente da Jovem Guarda, que no início da década de 1970 já se deslocava para outros gêneros musicais.
Ovelha negra – Rita Lee. Lançada em 1975: https://www.youtube.com/watch?v=g5BlUYtioIE
Foto atual de Rita Lee, a rainha do rock
brasileira
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Quanto aos músicos ligados à Jovem Guarda na década de 1960, nos anos de 1970 eles acabaram se desligando do movimento e passaram para outros gêneros musicais, como o sertanejo (Sérgio Reis) e a música romântica (como Roberto Carlos e Ronnie Von). Em meados da década de 1960, esta última havia recebido o nome de música brega, por ser considerada cafona e deselegante pelos adeptos da música jovem de matriz norte-americana e por integrantes do movimento estudantil. Durante a década de 1970, porém, a música romântica voltou a ganhar terreno, diferenciando-se da música brega, com muitos nomes provenientes da Jovem Guarda.
O menino da gaita – Sérgio Reis (1975)
Deve-se lembrar que os Festivais de Canção existiram também nessa década, porém, estavam em plena crise, devido à ação da censura e também ao próprio esgotamento do formato do programa televisivo. Assim, a MPB precisou encontrar outros lugares para suas performances e o fez nos teatros, mantendo-se próxima de seu ouvinte mais paradigmático, o estudante e a classe média jovem e de esquerda. Alguns teatros tornaram-se consagrados nesse período devido a esse fato, como o Tuca em São Paulo, o João Caetano no Rio de Janeiro, o Teatro do Paiol em Curitiba, entre outros. Além disso, muitas apresentações foram realizadas em espaços maiores, necessários para absorver a ampliação do público da MPB, que ocorreu principalmente a partir de 1976.
Fio Maravilha – Maria Alcina. Composição Jorge Bem
Apresentação no VII Festival Internacional da Canção em 1972
Durante a década de 1970, a MPB teve, portanto, dois momentos. Durante os anos de chumbo, ela foi marcada por uma espécie de contraviolência simbólica da sociedade civil diante do terror de Estado do regime militar, espelhando de forma poética o medo em uma sociedade ameaçada pelo silêncio da censura e pela hegemonia da voz do poder concentrado nos militares. Já na segunda metade, os anos de abertura, outros temas foram abordados de maneira poética, como novas perspectivas de liberdade e de reconquista da plena liberdade de expressão, além das experiências ganhas durante a metade anterior. Assim, se na primeira metade há a “linguagem da fresta”, na segunda ela vai sendo substituída pela “linguagem da festa”, abordando temas mais esperançosos e de reencontro, ao contrário da solidão e depressão.
Durante esse período, em muitas letras aparecia a esperança de um movimento incontrolável, individual e coletivo, como uma irrupção violenta de uma energia que estava sendo reprimida havia muito tempo. Musicalmente, essas canções não tinham uma identidade própria, porém, havia nelas uma busca por expressões melódicas, harmônicas e de timbres que traduzissem de maneira festiva a esperança. Assim, houve um retorno do samba de partido, de enredo, o samba-choro, o frevo, que passaram a ser utilizados para expressar esses desejos.
O bêbado e o equilibrista – Elis Regina – 1979. Um dos hinos da anistia: https://www.youtube.com/watch?v=dtY-m7eJejk
BlackMusic:
Nasceu e cresceu na cidade do Rio de Janeiro, onde, durante a juventude, conviveu com Jorge Ben Jor e Erasmo Carlos. Em 1957, fundou o grupo The Sputniks, no qual cantou junto a Roberto Carlos. Em 1959, emigrou para os Estados Unidos, onde teve seus primeiros contatos com o soul, vindo a ser preso e deportado por roubo e porte de drogas. Em 1970, gravou seu primeiro disco, intitulado Tim Maia, que, rapidamente, tornou-se um sucesso com músicas como "Azul da Cor do Mar" e "Primavera".
Nos três anos seguintes, lançou vários discos homônimos, fazendo sucesso com canções como "Não Quero Dinheiro (Só Quero Amar)" e "Gostava Tanto de Você". De julho de 1974 a 25 de setembro de 1975, aderiu à doutrina filosófico-religiosa conhecida como Cultura Racional, lançando, nesse período, dois discos, com destaque para "Que Beleza" e "O Caminho do Bem". Desiludiu-se com a doutrina e voltou ao seu estilo de música anterior, lançando sucessos como "Descobridor dos Sete Mares" e "Me Dê Motivo".
Vale destacar que Tim Maia não é o único (apesar de ser o principal) representante da música soul no Brasil.
Nomes como Cassiano, Tony Bizarro, Tony Tornado, Black Rio, Os Diagonais, Gerson King Combo (O criador do clássico “Mandamentos Black”), Hyldon e Carlos Dafé (esses últimos considerados a santíssima trindade do soul e do funk brasileiro), juntos com Tim Maia influenciara a black music brasileira, como o hip hop dos anos 1980 e o rap dos anos 1990.
1980
É importante salientar que a partir da década de 1980, não apenas no Brasil, mas por todo o mundo, a ideia de construção da nação foi substituída pela ideia da construção de identidades. Assim, muitos movimentos sociais fizeram com que preocupações se voltassem para os direitos civis, o multiculturalismo, o direito à diferença, enquanto as nacionalidades permaneceram como referenciais importantes para países com pouco poder político e/ou econômico no cenário mundial, ou quando a questão da nacionalidade estava atrelada a alguma religião. Foi o início do processo da era da globalização.
O debate sobre o processo de globalização começou nessa década nos EUA, devido à globalização dos mercados. Na América Latina, seu início ocorreu no Brasil no fim dos anos de 1980, prevalecendo a ideia de que esse processo se dá primeiramente através da cultura, pela via da indústria cultural. O processo de globalização acarretou uma redefinição das fronteiras, que deixaram de ser nacionais, para se tornar transnacionais, alterando o processo de construção da identidade nacional. A principal referência antes do processo, o Estado-nação, que se dava através de uma cultura homogênea, foi substituída pela noção de pertencimento.
Trechos de comícios da Diretas Já
A esse contexto somou-se a luta pelos direitos políticos e civis no Brasil, que se intensificou com o processo de abertura do regime militar. Em1979 já havia sido restabelecido o pluripartidarismo e também se concedera anistia não apenas aos cassados pelo regime, mas também aos militares que torturaram e mataram. Em 1982, já com eleições municipais e estaduais diretas, o povo deu um recado através das urnas de que rejeitava os militares no poder. Em 1984 iniciou-se a campanha das “Diretas Já”, que trouxe grandes manifestações populares por todo o país, embora as eleições diretas para presidente não tenham sido aprovadas na Câmara dos Deputados. Fafá de Belém se apresentou em diversos atos pelas Diretas Já e ficou conhecida como “musa das diretas”.
Em 1985, ocorreram eleições para a presidência, ainda de maneira indireta, porém o povo derrotou os militares na urna, elegendo para o cargo um civil. Dessa forma, iniciaram-se as atividades da Assembleia Constituinte, que promulgou a Constituição Federal em 1988 e trouxe as eleições diretas em 1989. Além disso, a Constituição marcou o fim da censura no país.
Do ponto de vista musical, a década de 1980 foi muito rica. Surgiu um movimento que ficou conhecido como Vanguarda Paulista e houve muitos processos de mudanças. Durante essa década, a MPB continuará sendo a música de protestos, embalando os comícios da transição democrática. Além disso, surgiu também o Brock, um som jovem e urbano, que para muitos mantinha a linha de posicionamento político da MPB; ganharam espaço também movimentos como o punk e o hip hop, assim como gêneros regionais, como o axé, entre outros. A indústria fonográfica cresceu e o consumo de LPs entre os jovens se massificou.
Pânico em SP - Inocentes (1986). Uma das principais músicas punk do período:
https://www.youtube.com/watch?v=h4PUam2-6Dc
https://www.youtube.com/watch?v=h4PUam2-6Dc
Tubarões voadores – Arrigo Barnabé (1984). Arrigo Barnabé é um dos principais nomes da Vanguarda Paulista:
Os anos 80 ficaram marcados pela explosão do rock nacional, ou o BRock, como ficou conhecido o rock ‘n roll cantado em português.
Quanto ao pop, estav em alta nesta época bandas e cantores infantis, como Xuxa e Balão Mágigico.
LAMBADA
A lambada é um gênero musical com origens na Região Norte do Brasil, mais especificamente no estado do Pará nos anos 1980. Tem, como base, o carimbó e a guitarra. Foi influenciada por ritmos como a cúmbia e o merengue.
Banda Kaoma formação 1980
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Carimbó é considerado um gênero musical de origem indígena com influências da cultura negra e portuguesa.
Dona Onete - No Meio do Pitiú: https://www.youtube.com/watch?v=CkFpmCP-R04&list=PLgbA7GYqI7SQEj_z7qgI_NpVVU3vn6jj0
Já a dança lambada teve sua origem a partir de uma mudança do carimbó, que passou a ser dançado por duplas abraçadas ao invés de duplas soltas. Assim como o forró, a lambada tem, na polca, sua referência principal para o passo básico, somando-se o balão apagado, o pião e outras figuras do maxixe.
Como acontece com frequência, a valorização do produto no seu país de origem só se deu após seu reconhecimento no exterior. Seguiu-se um período intenso de composições e gravações de lambadas tanto no mercado interno quanto externo. Os franceses, por exemplo, compraram, de uma só vez, os direitos autorais de centenas de músicas.
Dezenas de grupos e diversos cantores pegaram carona no sucesso do ritmo, como Beto Barbosa, Márcia Ferreira, Manezinho do Sax, Sidney Magal, Sandy e Júnior, Fafá de Belém e Angélica.
MÚSICA GOSPEL
Existe um estilo musical muito importante no Brasil chamado Gospel.
O cenário da música evangélica começava a dar seus primeiros e tímidos passos na São Paulo nos anos 80. Foi aí que surgiram grupos como Elo – que depois virou Logos -, Adhemar de Campos (e a Comunidade da Graça), Daniel Souza (e o Frutos do Espírito), Asaph Borba, Vencedores por Cristo e o polêmico (por questões doutrinárias) Voz da Verdade. Esses eram essencialmente grupos de louvor, que não atingiam o público extra-eclesiástico.
Antes disso, a Música Gospel entrou no Brasil através de missionários batistas e presbiterianos americanos. Algumas igrejas aqui adotaram o estilo tradicional deste gênero e traduziram os hinários para a língua portuguesa, como o Cantor Cristão e a Harpa Cristã.
Bandas de rock gospel começaram a dominar a cena e com um foco mais evangelístico alcançavam com mais facilidade jovens de fora da igreja. Neste momento as bandas Resgate, Oficina G3, Katsbarnea, Troad, Actos 2, Fruto Sagrado e mais algumas despontavam, tomando mais força na década seguinte.
Num cenário um pouco distinto, da Igreja Pedra Viva, saía a Banda Rara, com um som mais soul. Com o black paulista ela liderou um movimento que floresceu anos depois. Houve um período de estagnação , até que a cantora Aline Barros, então com 16 anos, apareceu no programa "Xou da Xuxa". Esse foi um evento importante no cenário evangélico, afinal, não havia um “ícone” do Gospel no Brasil.
Nesta nova fase, as gravadoras MK (então Publicitá), Bompastor, Line Records e a pioneira Gospel Records começaram a crescer e se estabilizar com um diversificado cast.
E também aí que as bandas de rock perdem muito de seus espaços e os grandes grupos de louvor voltaram à tona, totalmente repaginados e remasterizados, com status de pop stars.
Renascer Praise 01 – 06 Entramos Neste Lugar: https://www.youtube.com/watch?v=_XhQ13jlRuM&list=RD_XhQ13jlRuM&start_radio=1&t=48
Nos dias atuais, a referência internacional vem da Austrália. É o Hillsong de Darlene Zschech.
O black, sempre forte no meio gospel, ainda faz sucesso. Tem muita coisa boa, mas muito exagero, principalmente no visual e nos vocais e, claro, muita cópia, como todos os seguimentos da música brasileira atual.
Como Estou Tu Me Amas - Hillsong Em Português:
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
Enciclopédia da música brasileira: popular, erudita e folclórica. Reimpressão da 2a. ed. SãoPaulo: Publifolha, s.d. (Disponível em: https://play.google.com/store/books/details/Andr%C3%A9_Diniz_Almanaque_do_choro?id=1GcE9Cz9QC4C)
TINHORÃO, J. R. História Social da Música Popular Brasileira. São Paulo: Ed. 34, 1998.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR:
ANDRADE, M. Ensaio sobre a música brasileira. São Paulo, Martins, 1965.
MARIZ, V. História da Música no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.
NEVES, José Maria. Música contemporânea brasileira. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2008.
SEVERIANO, J. Uma história da música popular brasileira: das origens à modernidade. Editora 34, 2006
WISNIK, J. M. O Coro dos Contrários. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1983.
História resumida da música gospel no Brasil: https://social.stoa.usp.br/flaviofabricio/blog/historia-resumida-da-musica-gospel-no-brasil-72461
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