terça-feira, 30 de junho de 2020

11. Choro

11.1 Origens Sociais do Choro
Antes do advento do choro no Brasil, em meados do século XIX, diversos grupos urbanos, como os barbeiros e as bandas militares ou municipais, tiveram por função o fornecimento de música instrumental para festas públicas. A partir da década de 1870, no Rio de Janeiro, entra em cena uma série de tocadores advindos da baixa classe média, contemporâneos ao surto de desenvolvimento proporcionado pela riqueza do café no Vale do Paraíba. Neste contexto, vemos também os primeiros ensaios de industrialização e multiplicação de manufaturas do Império. Com a intensa exportação do café, Dom Pedro II pôde iniciar uma série de melhorias urbanas na capital. A multiplicação de obras e negócios, ao implicar na divisão do trabalho, iria alterar a simplicidade do quadro social herdado da colônia. Aparecem os operários e os pequenos funcionários de servições públicos e empresas particulares das áreas de transporte, gás e iluminação.
É neste contexto que torna-se necessário a criação de formas próprias de participação social. A camada mais ampla de pequenos burocratas passava a cultivar a diversão familiar das reuniões e bailes nas salas de visita, ao som da música mais comodamente posta a seu alcance: a dos tocadores de valsas, polcas, schottisches e mazurcas à base de flauta, violão e cavaquinho. Como eram bailes mais modestos, que a sociedade ‘elegante’ olhava com certo desdém, receberiam o nome depreciativo de forrobodó, maxixe ou xinfrim. Surge esta prática musical de uma classe média minimamente diversificada.
O choro começa não como um gênero musical, mas como uma forma de tocar e de participar. A época de esplendor dos conjuntos de música de choro vindos do século XIX se estendeu até ao período em que a atração das revistas de teatro, em primeiro lugar, e o disco e o rádio, depois, vieram já no século XX oferecer à gente da moderna classe média das cidades novas e mais variadas formas de diversão. No plano estético, pode-se identificar um processo de adaptação da polca europeia, mais marcial e metricamente comportada, para uma polca mais relaxada e sincopada. Importante ver que esta síncopa não é simplesmente uma excessão no modelo europeu, mas uma adaptação das heranças africanas de ciclos rítmicos de tamanhos diferentes, gerados pela sobreposição de tempos ímpares e pares. É na confluência de elementos de culturas diferentes que o choro, como modo de tocar, foi desenvolvido, tendo por modelo principal a música europeia.

11.2 O Choro
No final do século XIX surgiram nas grandes cidades, principalmente no Rio de Janeiro, conjuntos instrumentais semiprofissionais. Eles atuavam sobretudo no mercado periférico, em salões, clubes carnavalescos e em serenatas de rua. Muitos dos músicos que integravam os conjuntos eram negros ou mulatos, com empregos de baixo salário; outros eram funcionários públicos e outros, ainda, militares ou policiais que atuavam também como músicos em bandas.
Abel Ferreira - CORTA-JACA - clarineta - Tango de Chiquinha Gonzaga - Composição de 1912: https://www.youtube.com/watch?v=b5bHQu8lmvk
Chiquinha Gonzaga
 
As músicas que tocavam eram do mesmo tipo que a elite ouvia na época, tais como polcas, mazurcas, valsas, quadrilhas e tangos, porém, executadas de maneira mais popular. Os instrumentos mais utilizados eram os de madeira, como a flauta e a clarineta; os de metal como o bombardino e o trombone; os de cordas, como o violão (de 6 e de 7 cordas - este último devido a suas notas mais graves, para a "baixaria”, como era conhecida a base grave do choro), e o cavaquinho; e os de percussão, como o pandeiro e o reco-reco. Percebe-se claramente uma herança das bandas nesses grupos, utilizando instrumentos que podiam ser tocados em pé.
A origem do termo choro é controversa. Uma das duas principais hipóteses é a de que ele deriva da expressão "tocar chorado”, ou seja, tocar improvisando; a outra é de que ele provém de "chorar” no sentido de pedir esmolas. Esse gênero musical pode ser considerado a primeira música urbana típica do Brasil. Seus músicos, que geralmente eram chamados de "chorões”, reuniam-se nos subúrbios cariocas e nas residências do bairro da Cidade Nova, onde muitos deles moravam.
Querida por todos, polca de Joaquim Callado, por Leonardo Miranda: https://www.youtube.com/watch?v=uZMq98mc7rw
Joaquim Callado
 
O choro costumava ser dividido em três partes - posteriormente apenas em duas - seguindo a forma rondó, ou seja, retornando sempre à primeira parte depois de passar por cada uma delas. O Choro possui ritmo agitado e alegre e caracteriza-se pelo virtuosismo e pelo improviso, exigindo estudo, técnica e domínio do instrumento por parte do músico.
O choro abasteceu a periferia do mercado de consumo em espetáculos de variedades nos teatros da periferia, em serenatas, nos cinemas e nos bailes da classe média. Foi objeto de preconceito até a década de 1910, passando a ser aceito efetivamente apenas na década de 1920, quando estava em processo de transformação em "orquestras típicas”. Posteriormente, seus músicos passaram a se organizar em "conjuntos regionais”, conjuntos de carnaval, orquestras de cassinos, além de ter suas músicas gravadas em discos.
Eis aqui algo para se pensar: quanto gêneros musicais nascem marginais sendo depois absorvidos pela cultura dominante e, ás vezes, tornando-se peça fundamental nessa cultura?
O choro foi um gênero inovador no âmbito popular, nas primeiras décadas do século XX. Porém é importante deixar claro que não se trata de uma forma musical propriamente dita, mas sim de uma maneira de se tocar diversos gêneros de dança que estavam em voga, como polcas, tangos, valsas e, principalmente, o maxixe. Estas eram executadas com base nos conjuntos de sopro e violões e na constante improvisação, definindo a principal característica do choro. Seu primeiro grande nome foi Joaquim Antônio Callado, exímio flautista e professor do Imperial Conservatório de Música.
A sincopação do acompanhamento, como nos tangos de Ernesto Nazareth, utilizada na maioria das formas binárias, era um traço rítmico específico dos chorões. O choro consagrou-se como uma composição binária sincopada, resultado da fusão da polca, do tango e do maxixe, mas até a década de 1920 a pluralidade de formas era muito maior, ao contrário do que passou a predominar nas "orquestras regionais” e "conjuntos regionais” de choro, existentes até os dias de hoje.
Ernesto Nazareh 
 
No final da década de 1910, os últimos chorões e as primeiras "orquestras regionais” passaram a tocar sambas, um gênero que até hoje acompanha o choro, sendo ambos difundidos através do disco e do rádio após 1922, passando por grandes mudanças.
Alguns dos grandes nomes do choro são Chiquinha Gonzaga, o já citado Ernesto Nazareth, e Pixinguinha. Este último dirigia o grupo Os Oito Batutas, formado por músicos negros, que tocavam em saguões de cinemas em 1918. A partir de 1922 o grupo alcançou sucesso internacional, demonstrando que esses grupos de chorões estavam sendo substituídos pelas "orquestras típicas” ou "regionais”. Essas orquestras, que executavam de acordo com as formas brasileiras, também passaram a fazer o uso de formas provenientes dos Estados Unidos da América, como o one-step, o two-step, a valsa-boston, e principalmente o fox-trot.
Polca: "Cruzes, minha prima!" Composta por Joaquim Callado. Gravação de 1913 por Agenor Bens (flauta) e Arthur Camilo (piano): https://www.youtube.com/watch?v=oFIT1EpH-_A
 
Catulo da Paixão Cearense 
 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
DINIZ, A. Almanaque do choro: a história do chorinho. São Paulo: Jorge Zahar, s.d.
MORAES, José Geraldo Vince de. (org). História e Música no Brasil. São Paulo: Alameda, 2010.
TINHORÃO, José Ramos. História Social da Música Popular Brasileira. São Paulo: Ed. 34, 1998.

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